Crônicas do Cotidiano – Parte 3

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A ladeira ao lado da “casa do povo” nem é tão íngreme, mas anos de sedentarismo e desleixo com a saúde causam um cansaço e falta de ar fora do normal. Faltando uns vinte metros para chegar no besourinho o celular vibra. Uma mensagem no WhatsApp. Os planos mudam e a pauta no ministério será cancelada pois parece que um senador da república será julgado. Alguma coisa a ver com carne estragada. De alguma forma isso é mais importante que a saúde ou educação.

Olho o relógio. São 13:15h. A sessão plenária começa às 14:00h. Não terei tempo para almoçar. Dou meia volta e desço a ladeira. Cruzo o estacionamento do congresso e atravesso o eixo monumental até o STF. A senhora cega por uma venda e com a espada no colo recepciona todos que chegam ao tribunal supremo. Os caminhões das emissoras de TV estão estacionados ao lado do plenário com suas antenas apontadas para o céu e preparados para transmitir a qualquer momento. Uma fila se forma para passar pelos detectores de metal e raios x. Como segurança extra todos passam pelos detectores de mão também. Depois da revista faço o registro de entrada e recebo uma pergunta e um pedido da recepcionista:

– O senhor tem gravata? Se tiver pedimos que a coloque. Caso não possua podemos ceder uma.

– Tenho sim. – Respondo.

Colo o adesivo de identificação no blazer e dou dois passos para a direita liberando a bancada para o próximo fotografo. Aproveito para colocar minha gravata azul com listras douradas antes de entrar no plenário.

Em quase um ano como repórter fotográfico conheci pessoas únicas e inspiradoras. Alguns fotógrafos e jornalistas já acompanhava de longe pelos jornais e revistas. Outros aprendi a admirar por sua arte e profissionalismo. Dona Fernanda (nome fictício) é uma dessas surpresas agradáveis que a profissão me deu. Fotógrafa muito bem-humorada brinca e cumprimenta todos que chegam.

– Nos encontramos novamente, hein! – Diz dona Fernanda.

– Pois é! Sempre nos esbarrando por ai! – Respondo com um sorriso.

O fotografo oficial da casa nos recebe e orienta.

– Bom dia amigos! A sessão deve atrasar um pouco, mas já sabem como é, né? Entramos. Cinco minutinhos e saímos. O de sempre. Vamos só aguardar a liberação, ok?

– Vai começar que horas? – Pergunta o fotografo do jornal global.

– 14:30h talvez. – Responde o representante da assessoria de imprensa da casa.

Alguns minutos depois somos chamados. Nos posicionamos no degrau dos fotógrafos. Sim. Só um degrau é o que temos aqui. Mas isso não é problema pois as cadeiras dos advogados e o plenário estão ligeiramente abaixo de nós. Preparamos os equipamentos e aguardamos.

Os assessores dos ministros vêm e vão com pilhas de processos nos carrinhos. Ligam os computadores e posicionam os copos de água enquanto os advogados e estudantes de direito se acomodam nas cadeiras laterais. A sabatina processual que decidirá o futuro do senador está prestes a começar.

Ao fundo, no canto esquerdo do plenário, o símbolo da imparcialidade e da honestidade, a “capa do batman”, pode ser vista sobre os ombros dos homens e mulheres que deveriam zelar pela justiça no país. O sino toca e em procissão eles caminham até seus lugares.

As câmeras disparam incessantemente. O degrau dos fotógrafos está cheio hoje. De vez em sempre nós esbarramos ao passar de um lado para o outro. Tentamos fazer nosso trabalho da melhor forma e o mais rápido possível. As lentes apontam agora para o relator do processo. Uma nova rajada de cliques e um aviso:

– Mais dois minutos pessoal! – diz em voz baixa o fotografo da casa.

Já tenho fotos suficientes e resolvo sair um pouco antes. Passo pela recepção e entrego o adesivo de identificação. Saio, tiro a gravata e caminho pela lateral até a parte de trás do plenário por onde os ministros entram e saem. Alguns jornalistas e cinegrafistas aguardam por uma possível coletiva de imprensa. Sento-me no chão ao lado de uma pilastra próximo de alguns técnicos de som de uma emissora. Abro a mochila, pego o notebook e sigo a rotina de baixar, editar, exportar e enviar as fotos para a agencia.

Enquanto aguardo o término do upload, navego no facebook. A política parece ser o assunto do momento. De uma hora para outras todos tornaram-se especialistas. “Fulano tem que ser preso!”. “Cicrano é usurpador!”. “Fora comunistas!”. “Intervenção militar já!”.

Pobre povo brasileiro. Não percebe que não existe esquerda ou direita, fascistas ou comunistas, coxinhas ou mortadelas. São todos farinha do mesmo saco. Enquanto vocês discutem sobre ideologias políticas e socioeconômicas ou quem deve ser eliminado do Big Brother, eles assistem a esse show e riem felizes, certos de que continuarão lá.

Citando um tio querido, “o analfabetismo histórico e educacional de nosso povo, resultado das políticas governamentais de políticos inescrupulosos ao longo dos anos, faz criar uma massa populacional de autômatos, que não pensa, e apenas replica o que o poder dominante afirma como verdade absoluta.”

Não basta eleger! Sua responsabilidade não termina quando as eleições acabam! Tem que cobrar e participar!

Terminado o trabalho guardo minhas coisas e volto para o besourinho. São 16:27h. Embora não tenha comido nada até agora não sinto fome. Dirijo pelo eixão e paro no sinal. Observo a esplanada. Ela me encanta. Um gramado verde grande e pistas largas com seis faixas de rolagem de cada lado. Os ministérios formam uma moldura para o congresso ao fundo. A minha esquerda a catedral e o museu nacional. A arquitetura de Brasília é mesmo linda.

Contínuo pelo eixo monumental até a DF-003 e sigo as siglas. EPCL, EPVL, EPTG, EPVP. Quarenta minutinhos e meu velho Ford Ka preto já está na garagem. O elevador social está parado novamente. Sempre com problemas. Resolvo subir pelas escadas. Cinco andares não matam ninguém. Um pouco ofegante, abro a porta de casa e sinto o cheirinho de tomilho e alecrim da minha hortinha. Isso me deu uma ideia para o almoço / janta. Largo a mochila e a câmera sobre a mesa, sento-me no sofá e fecho os olhos por alguns segundos.

– Preciso me exercitar mais. – Penso.